Pronto, o teu sofrimento acabou. Foi o que disse à tua mãe, minha avó, depois dela gritar por ti e, de tanto chorar, já não ter lágrimas. O luto de um segundo filho, aos 90 anos, já não se faz. Já não há tempo que cure a mágoa e, questiono, se a fé se estenderá por tanto tempo. Imagino o vazio daquele peito.
Foste muito corajoso, tio. Suportaste a dor, a saudade, a angústia do fim a chegar, o corpo a desobedecer às tuas ordens, a prender-te dentro dele, a impedir-te de comunicar connosco. Sempre consciente. Foi tudo tão rápido...
Quando finalmente chegou o fim, chorei. Ainda não fiz as pazes com o destino. Haverá dias em que nos farás tanta falta... em que haverá um silêncio entre o jantar de Natal, os maranhos da Páscoa e a sardinhada no Verão. Em que saberei que estamos todos a pensar em ti. Em sintonia, sem ser preciso dizê-lo.
Querido tio, lembro-me de ti ao lado do avô (fazias-me lembrar tanto dele), naquelas noites quentes de Verão da minha infância, em que se punham as cadeiras em roda, os miúdos a brincar no meio, e vós, os crescidos, a contar as histórias de como era antigamente. Parece um conto de um livro, mas era assim que era a nossa família. Fui tão feliz nesses tempos.
Está tudo a mudar, tio. Quem vai regar o teu jardim?
Tenho saudades tuas. Gostava de te ter dado um beijinho, um abraço, de me ter despedido, de te ter visto uma última vez.
Oxalá haja céu. Haja Deus. Haja Paraíso. Oxalá não tenha tudo sido em vão. Oxalá estejas com o avô, com a tia Maria, com a Madalena, com a Nô. Olhem por nós, sim?
Gosto muito de ti.
Pap