quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Lembras-me que há um propósito. Que tudo pode estar trémulo, enevoado e em guerra fria, mas que há um propósito. Eu oiço-os, presto a tão custosa vassalagem e obediência a que me obrigam, e tento manter fixa a questão do propósito. Dizem-me que é um vírus. Que sou um monstro e que sou estúpida. E lá estou eu, tornada Cinderela descalça com anel na mão direita, a lutar para corresponder ao que esperam de mim sem nunca ser suficiente. Nunca basto. Nada do que faça lhes é completo ou satisfatório. E todos os argumentos que uso em minha defesa, com lágrimas ou sem elas, em desespero ou calma impávida, é por eles manejado da forma que mais lhes aprouver, deixando-os irremediavelmente vitoriosos. Até os sonhos me retingem, compactando-os e resumindo-os à simples questão de viver com comida na mesa. Já não há carinho, e sempre que me tento aventurar por essas águas, logo me é apresentada uma barreira. Um muro de Berlim, de betão moderno. Um colete de defesas para a grande peste negra que um abraço ou um beijo lhes representa. Chego a sentir que lhes é um esforço tremendo, suportar a minha proximidade. Sentir o calor do meu corpo, já tão sozinho. Talvez seja o vírus. Um dia, de curso acabado, apresento-lhes a receita do tamiflu.

Papoila