sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Histórias de Maputo #2

Tinha perto da minha idade e uma cara notoriamente apavorada. Olhando com atenção, encontravam-se vestígios de incredulidade, seria mesmo ela naquela situação? Contemplava o bebé de poucos meses a seu lado. Não sei se era cara de amor quando olhava para a criança, tão bonita. Não lhe encontrei ternura - no meio de todo o desgosto talvez não houvesse espaço para ternura. Quando larguei os seus olhos e, finalmente, olhei para a face como um todo pensei foi atacada por um macaco, por um cão, por um gato ou gravemente atropelada. Juro que nunca tinha visto uma cara tão desfigurada, nem mesmo em graves acidentados. Aquilo só poderia ser obra de um animal… e questionei o chefe de serviço.

Hoje a história não é tão feliz. Hoje conto-vos que a criminalização da violência doméstica em Moçambique só consta no código penal desde há cerca de um ano. E isto nas cidades ou povoações onde se sabe, onde se denuncia e onde há forças policiais que ponham a lei em prática. Se em Portugal isto ainda constitui um problema grave, imaginem num país como Moçambique, onde grande parte da população é analfabeta e onde não há, sequer, acesso a informação.

Aquela rapariga, mãe há uns meses, tinha sido mordida pelo marido. Com as mordidelas, o marido arrancou-lhe bocados de cara. A filha, bebé, ao lado. Deixaram de existir lábios para beijar a filha. As bochechas foram rasgadas. Já não havia bochechas onde beijar. Com a cirurgia, foram restaurados os tecidos possíveis. Muito carinho foi posto naquela mulher, onde se fez o possível para lhe devolver uma cara harmoniosa, com os meios que estavam ao alcance.

Enfim. Não vou entrar em mais pormenores e julgo, até, já ter sido demasiado explícita. Hoje conto esta história pois estou a estudar medicina legal. Artigo 144º, Ofensa à Integridade Física Grave. Se algum dia suspeitarem, por favor denunciem. A violência doméstica é um perigo de morte, tal como ser conduzida por um alcoolizado/a.

Papoila

1 comentário:

um quarto para duas disse...

Ouço imensas histórias de violencia domestica, mas contadas pela da minha mãe, de um ponto de vista mais legal. Normalmente a minha mãe conta-me já o fim da história. Umas vezes acabam bem, o agressor é afastado da vitima, outras vezes julga-se já a tragédia e essa é a a parte irremediável de toda a história!
É uma realidade muito triste. Se já em Portugal é o que é, não quero imaginar nesses paises, com poucos meios, sem ou com pouca legislação que proteja as vitimas. É assustador!