A casa velha da minha avó com a minha avó velha lá dentro.
Há tanta vetustez na idade pesada dos ossos da minha avó. Tanta mágoa no corpo que já não chega para os sonhos. Uma solidão rude que a toma entre as minhas visitas de médico. Decifro-lhe as lágrimas, numa felicidade indecisa entre a tristeza, aquando da minha aparição no lado de lá da porta da sala… como se, sempre que chego, ela se tornasse uma criança na véspera de natal. Noto-lhe o enfraquecimento das palavras, o desaprender de raciocínios (cada vez mais acentuado entre as minhas visitas). Um discurso cambaleante que só com grande atenção se esclarece.
Tive uma infância egoísta (talvez todas as infâncias devam ser egoístas para serem vividas em plenitude). Não lhe descobri a tristeza: só a avidez pela perfeição (que me era tão difícil de compreender). Não lhe aproveitei a lucidez. Não lhe aproveitei os pontos cruz, as bainhas das calças, as sopas salgadas e as flores, que tanto me desejou ensinar. Agora os seus dedos imprecisos já não têm a destreza para o ponto cruz. Agora as costas já não lhe permitem a robusta persistência na bancada da cozinha (nunca mais provarei as suas sopas). Agora já esqueceu os nomes das flores - só lhe ficaram os jarros e as velas de nossa senhora.
A mim só me resta dar-lhe o carinho que, no meio de tanta impaciência por viver a minha infância, não lhe dei como merecia. Agora poiso-lhe o braço nas costas e peço desculpa, em silêncio, por não lhe ter dado mais.
Gosto muito de ti, avó.
Papoila
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